Hoje estava almoçar e apesar do silêncio à minha volta, a minha cabeça estava uma agitação de pensamentos. É possivel que esteja cansada de alguém que só quer o meu bem? De que forma é que isso é justo? Como é que isso faz qualquer sentido?
O meu temperamento sempre foi muito brando. Diria que explosivo em certos momentos, mas de forma geral sou tolerante e antes de responder torto tento respirar fundo. Contudo, ando a chegar a um ponto que simplesmente não aguento mais. Honestamente nem sei como colocar isto em palavras de tão egoista e estapafúrdio que parece, mas por esse mesmo motivo é que quero colocá-lo em palavras.
Não me recordo de quando começou. Sei que de repente, de um momento para o outro, comecei a ficar cansada de viver com os meus pais. Na verdade, agora que penso, o momento mais crítico foi quando voltei de Erasmus, em que depois de seis meses a organizar a minha vida e a viver sozinha, entrei num estado de tristeza e de irritabilidade máximo. Não me lembro muito bem como superei, mas no meio do trabalho e da faculdade, simplesmente aceitei e continuei com a minha vida. Isso foi em 2018.
Voltando ao presente, em 2022, comecei a fazer teletrabalho em junho deste ano. Ponderei muito sobre essa questão e pensei em todos os problemas que poderiam acontecer, mas acho que substimei o facto de viver com os meus pais. Substimei o facto de os meus pais estarem em casa todo o dia e de quanto isso me iria influenciar.
Curiosamente acho que nem na pandemia me senti assim tão irritada. Não sei se é frustração de querer ter a minha casa e de não conseguir, se é a amargura de não conseguir ter o que quero porque todo o dinheiro que poupei foi para pagar contas da casa, mas o certo é que eu não aguento mais. E não me entendam mal aqui, eu ajudei em casa porque quis, mas não deixo de me sentir injustiçada. Injustiçada no aspecto que deveria haver mais apoio para os jovens que começam do zero, mais apoio para quem tem que ajudar em casa e não tem almofadas do pais. Injustiçada quando vejo pessoas a dizer que comprar uma casa não é dificil porque nunca tiveram que dar um cêntimo para ajudar em casa. Injustiçada porque as pessoas julgam-me. Julgam-me porque sabem que tive dois trabalhos. Julgam-me porque sabem que vivo em casa dos pais, que tenho namorado e que tenho um trabalho com um salário "fixe". Então na cabeça deles não faz sentido eu estar-me a queixar, nem faz sentido eu continuar a viver com os meus pais. Mas isso é outro assunto, que também ajuda nesta receita de desastre. É ir a jantares de familia do meu namorado e sentir o corpo arder de nervos com a pergunta "Porque é que não se juntam?". É ter o meu próprio namorado a tocar na ferida, a explicar que estou na situação que estou porque cedi.
Cedi? Cedi a dar apoio aos meus pais, pois apesar das decisões estúpidas, eu tinha que fazer alguma coisa? Cedi a dizer que sim a muita coisa que deveria ter dito que não? Talvez. Mas eu também cometo erros, e sendo filha única que raio poderia eu fazer?
Mas voltando ao assunto anterior, não aguentar mais é na realidade um eufemismo. De tal forma, que há uma semana a única maneira de sair deste estado mental negro foi sair porta fora e ir andar a pé. E assim tem sido as minhas semanas. Entrando e saindo de uma núvem escura de pensamentos. O ginásio ajuda e o trabalho também, mas os fim de semanas são quando me sinto realmente feliz e em mim. Já ponderei se ter mudado de trabalho poderia ter uma percentagem de culpa nesta história, mas honestamente acho que não. Acho que os ingredientes desta receita de desastre são : o dinheiro e a falta dele, mentalidades diferentes e essencialmente expectativas altas.
Relativamente ao primeiro ingrediente, é basicamente alimentado por discussões diárias ou observações de como tudo está caro no supermercado. Ou seja, chega a um ponto que os intervenientes desta casa só se falam por causa de assuntos de dinheiro ou para comentar que a carne está cara e os legumes também. Quando digo falar, tanto pode significar falar num tom normal ou estar aos berros. O segundo ingrediente é o mais picante e é o que me mete mais confusão. Os meus pais são pessoas materialistas. São pessoas que estão sempre a olhar para a vida que tinham antes de 2008 e estão sempre a suspirar e a desejar que a vida voltasse ao passado. A questão é que não vai voltar atrás e eles estão perigosamente agarrados ao passado. Estão agarrados ao que tinham e ao que perderam, por isso eles não sabem viver no meio termo. Ou é para comprar tudo ou não é para comprar nada. Para eles ir à praia e levar marmita não faz sentido, ou se vai à praia e come-se num restaurante ou então mais vale ficar em casa. Eu pelo contrário sou a pessoa que entende o que é meio termo, que quando foi de Erasmus teve que cortar na comida para visitar outras cidades. Estava por minha conta, com o dinheiro que ganhava no estágio e que juntei no verão a trabalhar. Nunca mais esqueço que numa das viagens só comi sandes, e a única coisa que me aquecia era o café. Há que fazer sacrificios, contudo eles não aceitam, nem percebem. Na cabeça deles perderam tudo. E por fim, o que me afecta mais é sem dúvida as minhas expectativas, principalmente financeiras. Acho que acreditei que com este trabalho todos os problemas da minha vida iam ficar resolvidos. Ia poupar no combustivel, ia ter mais tempo livre e ia-me sentir melhor. O que temos na realidade? Uma pessoa stressada, com niveis de ansiedade a explodir, crises de humor e défice de atenção.
Se faz sentido eu estar assim? Honestamente não sei. Gostava de ter uma resposta. Gostava mesmo muito de sair desta corrente de pensamentos, mas é tão forte que anda seriamente a mexer comigo em todos os aspectos da minha vida. Ora cria uma necessidade de me isolar a ver séries lamechas ora de conviver e beber até cair para o lado. Ora vejo o lado bom, ora vejo o lado mau. Ora acho que vou aguentar ora acho que não. Desta vez não é um comboio de pensamentos, mas sim uma corrente, que me arrasta pelo alto mar e quando penso que vou voltar a terra simplesmente embato contra rochas, que me deixam inconsciente. Quando dou fé estou novamente em alto mar, perdida, sozinha... Será a crise dos 25?